Historicamente, a família passou por profundas transformações. Na Antiguidade, a família era marcada pelo modelo patriarcal, em que o pai exercia poder absoluto sobre os membros do grupo familiar. No Direito Romano, por exemplo, o “pater familias” tinha inclusive o direito de vida e morte sobre os filhos. Com o tempo, influências religiosas, sociais e jurídicas reformularam essa estrutura, trazendo novos contornos e redefinindo os papéis dentro da família.
Durante séculos, predominou o modelo nuclear heterossexual e matrimonializado, composto por pai, mãe e filhos. Contudo, com o avanço dos direitos civis e a consolidação do Estado Democrático de Direito, a noção de família ampliou-se, reconhecendo diversas formações familiares, como famílias monoparentais, homoafetivas, mosaicas, anaparentais, entre outras. Essa evolução espelha a dinâmica social e a necessidade de o ordenamento jurídico se adaptar à realidade dos afetos e da convivência humana.
Além disso, o artigo 227 da Constituição reforça o papel da família na proteção da criança, do adolescente e do jovem, atribuindo responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado para assegurar seus direitos fundamentais.
Essa perspectiva constitucional amplia o conceito de família, desatrelando-o da obrigatoriedade do casamento e reconhecendo, por exemplo, a união estável e as relações baseadas no afeto e na convivência contínua como legítimas formas de constituição familiar.
A estirpe exerce múltiplas funções essenciais ao equilíbrio social. Dentre elas, destacam-se:
Função afetiva: é no ambiente familiar que o ser humano encontra acolhimento, amor, respeito e empatia. A afetividade constitui o núcleo das relações familiares, sendo hoje reconhecida inclusive como valor jurídico, baseando decisões judiciais em direito de família.
Função educacional: os pais ou responsáveis transmitem aos filhos valores éticos, sociais e culturais, desempenhando papel formador essencial na construção da cidadania. A educação familiar antecede e complementa a escolar.
Função protetiva: a família oferece proteção física, psicológica e social aos seus membros, garantindo apoio diante de adversidades e promovendo segurança emocional.
Função econômica: a família atua também como unidade de consumo e, em muitos casos, de produção. É comum o suporte financeiro entre seus membros, sendo um dos pilares do sustento mútuo.
Função socializadora: é o primeiro espaço em que o indivíduo aprende a conviver com regras, limites e interações sociais, sendo essencial para o desenvolvimento da empatia e do senso de coletividade.
Princípio da dignidade da pessoa humana: cada membro da família deve ser tratado com respeito e dignidade, sendo inadmissíveis práticas que atentem contra a integridade física ou moral.
Princípio da solidariedade familiar: os membros da estirpe devem agir com base na cooperação e ajuda mútua, especialmente nos casos de necessidade ou vulnerabilidade.
Princípio da afetividade: embora não expresso na Constituição, o afeto tem sido amplamente reconhecido pelos tribunais como valor jurídico relevante, especialmente em questões como guarda, adoção e reconhecimento de paternidade.
Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente: em decisões que envolvam menores, deve prevalecer sempre aquilo que lhes for mais benéfico.
Na contemporaneidade, a estrutura familiar apresenta-se cada vez mais diversificada. Famílias formadas por casais do mesmo sexo, com filhos adotivos ou biológicos; famílias reconstituídas, nas quais os cônjuges trazem filhos de relacionamentos anteriores; famílias unipessoais; lares compostos por avós e netos, irmãos ou amigos com vínculos duradouros de convivência e cuidado.
Essas transformações trazem desafios importantes para o Direito e para as políticas públicas. É necessário garantir que todos esses arranjos tenham os mesmos direitos e reconhecimentos legais, sem discriminação, promovendo a igualdade e a dignidade dos envolvidos.
Além disso, questões como a violência doméstica, abandono afetivo, alienação parental, negligência e sobrecarga das mulheres nos cuidados com a família impõem a necessidade de repensar o papel da família como espaço de proteção e não de violação de direitos.
O Estado, como garantidor dos direitos fundamentais, deve adotar políticas públicas que protejam a família, incentivem a parentalidade responsável, assegurem acesso à moradia, educação, saúde e assistência social. Programas de apoio à maternidade e paternidade, combate à violência doméstica, acesso à justiça e promoção de vínculos familiares são essenciais para fortalecer o papel social da família.
A atuação do Ministério Público, dos Conselhos Tutelares, dos serviços de assistência social e da Defensoria Pública é crucial na defesa da família como espaço de cuidado, afeto e segurança. Em paralelo, a educação em direitos e a promoção da cultura de paz são instrumentos indispensáveis para garantir famílias mais saudáveis e sociedades mais justas.
A família é, sem dúvida, o núcleo originário da vida em sociedade. Como célula fundamental, ela sustenta as bases morais, sociais e afetivas que moldam o ser humano e influenciam diretamente o tecido social. A proteção jurídica e institucional à família, em todas as suas formas legítimas, deve ser prioridade contínua de qualquer Estado democrático, que valorize os direitos humanos e a diversidade.
O reconhecimento da pluralidade de arranjos familiares, a valorização da afetividade, o enfrentamento das violências domésticas e a promoção de políticas públicas inclusivas são passos essenciais para assegurar que a família continue a cumprir sua nobre função: ser o berço da convivência humana, da solidariedade e do afeto que sustenta a sociedade.