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Odorico Paraguaçu

11 de abril de 2025 Odorico Paraguaçu

Odorico Paraguaçu: O Bem-Amado da Retórica Desvairada

Oh, excelsa e veneranda figura do municipalismo exacerbado, encarnação da politicagem rocambolesca e das promessas eleitoreiras mais estapafúrdias já proferidas na sacrossanta língua portuguesa! Quem, senão o eximio senhor Odorico Paraguaçu, o excelentíssimo prefeito de Sucupira, poderia se destacar com tamanha galhardia nas sendas do poder local, embelezando as mais corriqueiras situações administrativas com verborragia de qualidade duvidosa, mas de efeito cênico inquestionável?

Nascido do engenho literário de Dias Gomes, e tornado carne, osso e bigode por intermédio da interpretação magistral de Paulo Gracindo, Odorico é mais do que um personagem: ele é uma entidade folclórica, um ícone de um Brasil que se reconhece no ridículo do poder, no riso da corrupção, e na tragicomédia do discurso político.

Desde sua primeira aparição em 1973, no marco histórico da televisão brasileira que foi a novela “O Bem-Amado”, Odorico passou a representar o arquétipo do prefeito interiorano que se perpetua por meio da lábia e da esperteza. Um verdadeiro “pai dos pobres, mãe dos necessitados e protetor dos desvalidos”, como ele mesmo não cansava de repetir.

Seu grande projeto — ou melhor, sua obsessão — era inaugurar o cemitério municipal de Sucupira. Uma cidade sem cemitério é uma cidade incompleta, dizia ele. Mas eis o dilema tragicômico: ninguém morria em Sucupira. Sim, a falta de um defunto era o maior entrave da sua administração! E assim, o nobre prefeito se via às voltas com estratégias — nem sempre ortodoxas — para conseguir o seu tão sonhado “morto inaugural”.

Mas o que seria de Odorico sem sua maneira peculiar de falar? Seu estilo oratório é, por si só, um espetáculo de nonsense linguístico, recheado de palavras inventadas, construções frasais absurdas e uma dramaticidade que faria corar qualquer ator de tragédia grega. A língua portuguesa, ao passar por sua boca, saía retorcida, adulterada, inflacionada e, no entanto, estranhamente compreensível. Ele não falava com o povo, ele discursava com intenções demiúrgicas, como se cada frase sua tivesse o poder de instaurar uma nova ordem constitucional.

Quem não se lembra de pérolas como:

“Vamos inaugurar o cemitério municipal, que é para morrer gente!”

Ou ainda:

“As forças ocultas da incongruência oposicionista querem obstacularizar o progresso sucupirano!”

Sim, Odorico era o mestre da palavra inventada, do neologismo espúrio, da sintaxe tropeçante. Cada discurso era um exercício de paciência auditiva e de tolerância gramatical, mas também uma delícia teatral e literária.

Sua relação com os irmãos Cajazeiras — três solteironas devotadas e de moral duvidosa — é outro elemento que revela a duplicidade moral de Odorico. Pregando a virtude em público, mas praticando o vício nos bastidores, o prefeito se equilibrava entre o conservadorismo aparente e a libertinagem secreta. Uma figura que, em sua hipocrisia caricata, espelhava (e ainda espelha) muitos políticos reais.

E que dizer de seu arquirrival, o Zeca Diabo, jagunço regenerado, convertido em um cidadão de bem, mas ainda disposto a resolver as pendências da vida com chumbo quente? A relação entre os dois era marcada por desconfiança, tensão e, paradoxalmente, uma espécie de respeito mútuo. Afinal, em Sucupira, tudo se resolvia com jeitinho, até a moralidade.

Odorico Paraguaçu é mais do que um personagem de novela. Ele é uma metáfora viva do Brasil profundo, aquele onde a política se mistura com o folclore, a administração pública se confunde com o teatro, e a retórica se torna um instrumento de poder mais eficaz do que qualquer plano de governo.

O seu legado transcende a ficção: Odorico virou adjetivo, virou sinônimo de enrolação, de política de fachada, de promessas mirabolantes e de gestão performática. Ele é estudado, citado e — por que não? — reverenciado. Porque, mesmo em sua patetice, há nele uma sabedoria oculta, uma crítica ferina, um espelho que o Brasil jamais deixou de encarar.

E ainda hoje, em meio aos palanques da vida real, vez ou outra ouvimos discursos que parecem saídos diretamente de sua boca. A retórica barroca, a frase que não termina, a promessa impossível, o “trabalharemos incansavelmente para que o impossível seja atingido com metas sobre-humanas de proatividade sucupirana”… tudo isso é Odorico, reencarnado, atualizado, talvez com outro nome, mas com a mesma essência.

Porque o Brasil é, foi e — ao que tudo indica — continuará sendo um grande palco onde o prefeito Odorico Paraguaçu reina, eterno, tragicômico, bem-amado.

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