Nascido do engenho literário de Dias Gomes, e tornado carne, osso e bigode por intermédio da interpretação magistral de Paulo Gracindo, Odorico é mais do que um personagem: ele é uma entidade folclórica, um ícone de um Brasil que se reconhece no ridículo do poder, no riso da corrupção, e na tragicomédia do discurso político.
Desde sua primeira aparição em 1973, no marco histórico da televisão brasileira que foi a novela “O Bem-Amado”, Odorico passou a representar o arquétipo do prefeito interiorano que se perpetua por meio da lábia e da esperteza. Um verdadeiro “pai dos pobres, mãe dos necessitados e protetor dos desvalidos”, como ele mesmo não cansava de repetir.
Seu grande projeto — ou melhor, sua obsessão — era inaugurar o cemitério municipal de Sucupira. Uma cidade sem cemitério é uma cidade incompleta, dizia ele. Mas eis o dilema tragicômico: ninguém morria em Sucupira. Sim, a falta de um defunto era o maior entrave da sua administração! E assim, o nobre prefeito se via às voltas com estratégias — nem sempre ortodoxas — para conseguir o seu tão sonhado “morto inaugural”.
Mas o que seria de Odorico sem sua maneira peculiar de falar? Seu estilo oratório é, por si só, um espetáculo de nonsense linguístico, recheado de palavras inventadas, construções frasais absurdas e uma dramaticidade que faria corar qualquer ator de tragédia grega. A língua portuguesa, ao passar por sua boca, saía retorcida, adulterada, inflacionada e, no entanto, estranhamente compreensível. Ele não falava com o povo, ele discursava com intenções demiúrgicas, como se cada frase sua tivesse o poder de instaurar uma nova ordem constitucional.
Quem não se lembra de pérolas como:
“Vamos inaugurar o cemitério municipal, que é para morrer gente!”
Ou ainda:
“As forças ocultas da incongruência oposicionista querem obstacularizar o progresso sucupirano!”
Sim, Odorico era o mestre da palavra inventada, do neologismo espúrio, da sintaxe tropeçante. Cada discurso era um exercício de paciência auditiva e de tolerância gramatical, mas também uma delícia teatral e literária.
Sua relação com os irmãos Cajazeiras — três solteironas devotadas e de moral duvidosa — é outro elemento que revela a duplicidade moral de Odorico. Pregando a virtude em público, mas praticando o vício nos bastidores, o prefeito se equilibrava entre o conservadorismo aparente e a libertinagem secreta. Uma figura que, em sua hipocrisia caricata, espelhava (e ainda espelha) muitos políticos reais.
E que dizer de seu arquirrival, o Zeca Diabo, jagunço regenerado, convertido em um cidadão de bem, mas ainda disposto a resolver as pendências da vida com chumbo quente? A relação entre os dois era marcada por desconfiança, tensão e, paradoxalmente, uma espécie de respeito mútuo. Afinal, em Sucupira, tudo se resolvia com jeitinho, até a moralidade.
Odorico Paraguaçu é mais do que um personagem de novela. Ele é uma metáfora viva do Brasil profundo, aquele onde a política se mistura com o folclore, a administração pública se confunde com o teatro, e a retórica se torna um instrumento de poder mais eficaz do que qualquer plano de governo.
E ainda hoje, em meio aos palanques da vida real, vez ou outra ouvimos discursos que parecem saídos diretamente de sua boca. A retórica barroca, a frase que não termina, a promessa impossível, o “trabalharemos incansavelmente para que o impossível seja atingido com metas sobre-humanas de proatividade sucupirana”… tudo isso é Odorico, reencarnado, atualizado, talvez com outro nome, mas com a mesma essência.
Porque o Brasil é, foi e — ao que tudo indica — continuará sendo um grande palco onde o prefeito Odorico Paraguaçu reina, eterno, tragicômico, bem-amado.